quinta-feira, 1 de julho de 2021

Mnemósine

A correria do dia faz a gente não notar algumas coisas, a correria dá uma embaralhada na mente.

A gente não morre por conta de um luto, lidar com ele é de certa forma aquele cisco no olho depois da ventania, incomoda, faz lacrimejar, de vez em quando a gente chora, caso não consiga tirar, finge que não está incomodado, quando está, lançamos aquela esfregada no olho com raiva, não resolvido, ao fim jogamos água no rosto para ver se para de encher - de tristeza ou o saco . Perder alguém é falar que o tempo passou rápido demais, mas o dia acompanhado da lembrança de quem já foi resolveu ir devagar. Vão fazer três meses, nem parece, quando vai ver já foi um ano, dois, 8 ou 13. Vai chegar o tempo que vou trocar palavras, por números. Um lado é bom, vou dizer que superei, outro vai dizer que me acostumei, essa balança vai pesar sempre para o momento que a correria não existir, outra pessoa próxima for, pois o balde já transbordava e uma gota a mais é maremoto de lembranças - sorrisos e lágrimas são consequências do momento. 

Ver alguém ir é saber, de certa forma que alguma coisa mudou né? Aquele velho uso literário do "deixam um pouco de si, levam um pouco de nós", uma banda de música, uma palavra, um hábito, um costume, pôr o feijão por cima do arroz, pegar tudo com o pé, se interessar por musicalidade, rir com vontade, cantar:

Vem jogar mais eu, vem jogar mais eu, mano meu

Memória e lembrança são a mesma deusa, memória a gente esquece e cria outra, diz a História, lembrança não. Lembrar é algo particular, propriedade privada e sem devolução. Acho que uma é a face da deusa de bom humor, a outra nem sempre está satisfeita.

Luto pode ser o estado que a gente se encontra quando está superando quem resolveu partir e deixou uma bagagem na última estação. Luto também pode ser mesmo com tristeza, saudade e outras coisas. Luto! pode ser o seguir em frente quando lembra da pessoa sorrindo e percebe que depois que elas foram, continuam por aqui em cada pedaço que ficaram. É saber que está mais forte, porque agora não é só por si é por nós.

Meu casuá tem varanda,

varanda pra vadear, ê varanda boa o iáá,

varanda pra vadear

ê varanda boa iáá

Simbora!


quinta-feira, 24 de junho de 2021

Quando ela vem


Saiba mulher que quando tu vens
Eu vou chegando
Pq eu gosto das tuas chegadas
Cada chegada um aconchego

Como já dizia Chico Buarque
Nas páginas de Leite Derramado
Se soubesse como gosto das suas chegadas
Chegaria todo dia.

Chico Buarque não sabe
Mas cada chegada sua
Eu me chego e aconchego em você.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Foto notícia

Informação é poder as pessoas dizem, tenho o hábito de ver jornal como se fosse seriado, escuto todo dia, quando não consigo, baixo o episódio do dia que perdi e depois coloco em dia. Para não perder o rumo geral das informações que andam acontecendo.

De vez em quando dou uma pausa, a cabeça fica pesada, a quantidade de notícias da uma embrulhada na mente e no estômago, principalmente as desse ano. Notei que lidar com as notícias do jornal entram na mesma direção das que registro todos os dias pela janela dos meus olhos. O jornal relata o número de contágios subindo; estou eu no 397 indo ao trabalho, o transporte é público, mas a empresa particular, os bancos todos destruídos, o ferro de apoio quebrado, o veículo claramente não vê manutenção há tempos, mas a passagem só aumenta, já faz um tempo que noto a qualidade da viação descendo ladeira abaixo. Começa pelo piloto que precisa encarar engarrafamento, trânsito, fazer conta, dar a seta, ouvir xingamento e de vez em quando responder o “bom dia”.

Eu vejo as pessoas que antes usavam máscara deixando de lado, pego o mesmo ônibus constantemente e consigo gravar alguns rostos. Em outro episódio vem a notícia que o desemprego aumenta e o número de informais cresce mais; pela janela do busão eu noto a galera vendendo café e biscoito nas vias paradoras e expressas da Brasil. Hoje o rapaz do guarda-sol azul levou o filho e atravessava a rua no meio do engarrafamento, recordo que falaram que a pandemia tinha vindo para mostrar para ser humano como é ter empatia e união. Que nossas ações afetam diretamente o próximo. Não precisava de pandemia para isso era só notar o bloqueio no trânsito até Deodoro, quando alguém na passarela 26 resolve mudar de faixa, já que ele é o centro do universo e não o sol.

Lembro de ter concluído que 2021 havia me tirado a graça de viver, percebi que o excesso de informação ajudava, afinal escutava péssimas notícias e de vez em quando elas entraram pela porta da frente por aqui. Estabeleci objetivos e falei que tinha que sobreviver, percebi um leve engano, objetivo a gente deixa de lado quando bate o desânimo, sonho não, mas esse eu ainda não sei explicar direito não, me faltam algumas palavras.


sexta-feira, 11 de junho de 2021

A partida

 

Palíndromo são palavras, frases ou imagens que podem ser lidas de trás para frente e permanecem com seu sentido. Aqui os clichês, Hannah, Ana, Otto, Natan, oro, Omo, ixi e etc.Um palíndromo de maneira reflexiva pode ser aquilo que a gente já sabe o resultado, olhar uma palavra que começa e termina da mesma forma pode ser previsível, é isso e acabou. Tudo esclarecido, nada de surpresas, de novidades, o eterno problema da humanidade respondido em poucas palavras. Eu sei onde isso aqui vai acabar.

Imaginem que um dia uma nave resolva pousar na Terra, um extraterrestre e seu companheiro resolvam ensinar a humanidade uma nova forma de ver o tempo. Agora tudo não é mais linear, Descartes acaba de perde a queda de braço para Einstein, tudo agora é dimensional, o ali e o agora acontecem ao mesmo tempo, o começo, meio e fim simplesmente deixam de ter divisões. Você sabe exatamente o que precisa fazer, pois diferente do que é proporcionado pela vida, agora obtemos a chance da repetição e consequentemente do sucesso, você começa a passear entre o antes, durante, o aqui e o depois. Tudo seria um passado-recentemente e Marc Bloch saberia que ao terminar de escrever “O Ofício do Historiador” seria morto num campo de concentração nazista. Fica a pergunta se ele escreveria o livro se soubesse do seu final, o desanimo bateria? A vontade de ocupar seu breve tempo com algo falaria mais alto? Fosse com a gente? Quanto tempo levaria para sorrir se soubesse que uma situação fosse fazer a gente feliz? Como seria nossa reação ao ter que lidar com alguém triste? Aquela pergunta complica - um aluno meu perguntou o motivo de andar de joelhos quando imita o gato, porém o gato não anda de joelhos -, nesse dia fiquei sem saber o que falar, voltei para casa pensando em qual resposta daria, afinal crianças costumam perguntar a mesma em outros momentos. Até hoje não sei.

O quanto a gente mudaria se soubesse o caminho a seguir? Um palíndromo torna tudo fixo, mas em todos os casos a ideia que nada é permanente e tudo muda continua aí, Heráclito e seu rio não conheceram palíndromos, mas o quanto de mudança nossa natureza permanente vem passando? Qual ponto de melhoria seu reflexo mostrou no rio?

terça-feira, 1 de junho de 2021

Portaria

Tocar o interfone, falar alto - vô!
Escutar - Prontoooo!
Tranca desbloqueia, passo pelo portão
Olho as plantas, abro a porta, subo as escadas

- Olá meu querido! Como andas?
- Estou bem, como estão as coisas?
- Entra, que bom que você veio.
O caminhar calmo, já andava com certa dificuldade, mas nunca parava.

Depois desse portão era tudo um retorno, uma acolhida, uma pausa no tempo.
Conversas trocadas, o café passado.
Eu sempre duro, não na queda, mas no jeito.
Ele sempre brincalhão e firme.

Virei um predicado nominal, depois do seu último verbo de ação.
Sempre estou.
Depois desse portão, tomei café, sorri, busquei abraço e bronca.

Carrego uma mochila com um mapa
Descobri que saudade vira tristeza 
- Não cabe mais.
Não odeio mais café.

Recentemente entre um bolo de cenoura com calda de chocolate
Perguntaram se eu queria café, respondi que não tomava.
Lembrei de você na hora e sorri.
Comi o bolo.  

No passar do barco do Valtari não encontrei mais tristeza
Ainda tenho saudade, pouco falo de você e muito lembro
Guardei comigo e pra mim as lembranças, reli nossos últimos e-mails.
Repito hoje sua despedida repetida. - Do neto que te quer bem e te ama. Seja lá aonde você estiver.